Chamado de “tabaréu” pelos adversários, Zé Borges se tornou prefeito de Curaçá, enfrentando preconceitos, conquistando admiradores e deixando um legado de coragem, generosidade e compromisso com os menos favorecidos.
O menino da Água Branca
José Félix Filho, mais conhecido como Zé Borges, nasceu em 8 de junho de 1917, na Fazenda Água Branca, situada inicialmente no distrito de Barro Vermelho e posteriormente no distrito de Poço de Fora, ambos pertencentes ao município de Curaçá, BA. Seu nascimento foi um momento de grande alegria e esperança para a casa de seus pais, José Félix Martins e Maria Borges Silva, sendo ele o segundo filho do casal.
Desde cedo, Zé Borges foi criado com muito carinho ao lado de seus irmãos: Manoel, o primogênito, seguido por Maria, Izabel, Francisco e Antônio. Sua família era devota do catolicismo, e a religião desempenhou um papel especial em sua educação. Zé Borges recebeu os ensinamentos de Jesus Cristo desde tenra idade, aprendendo princípios de confiança em Deus, amor ao próximo, caridade e misericórdia, que orientaram sua vida tanto no âmbito profissional quanto na política.
Assim como as outras crianças da região, Zé Borges se reunia com os meninos da Fazenda Água Branca para brincar nos quintais de terra. Eles costumavam criar histórias imaginárias, transformando os ossos dos animais em bois e construindo pequenos currais com gravetos e pedras para simular fazendas. Essas atividades despertaram nele um interesse pela pecuária e delinearam seu futuro nesse ramo.
Além das brincadeiras com os animais, as crianças também se divertiam usando pedaços de pau e pedras como se fossem bonecos, criando histórias de conflitos entre cangaceiros e policiais, temática extraídas das notícias que os adultos comentavam sobre a passagem de Lampião pela região.
Desafiando o terror do cangaço
Naquela época, o povo do interior nordestino enfrentava a ameaça dos cangaceiros, que propagavam o terror com histórias de vingança e implacáveis perseguições. A família Borges tinha ainda questões herdadas do tio de Zé Borges, Herculano Borges, que, quando era delegado, prendeu Corisco. O cangaceiro ainda era um rebelde feirante em Bonfim. Herculano era trineto de Rafael dos Anjos, que migrou de Pernambuco para a Bahia. Parte de sua família foi para Uauá e Vila Nova da Rainha, pela liderança do seu filho Joaquim Cardoso da Silva Matos.
Joaquim teve uma filha chamada Carolina, que se casou com Antônio Borges de Salles. Esse foi o primeiro Borges a aparecer em Uauá. Ele teve com Carolina sete filhos, entre eles Francisco Borges, que se casou com Libânia. A partir dos filhos de Antônio, o sobrenome Salles foi abreviado para Sá.
Os descendentes de Antônio Borges e Carolina ganharam uma herança genética voltada para a liderança política. Um filho deles foi prefeito: João Borges de Sá, em Uauá. Um neto também foi prefeito: Rafael da Silva Borges, filho de Francisco Borges de Sá e Libânia Maria. Sete bisnetos foram prefeitos: Os netos de Nicolau: Jerônimo Sá Rodrigues (filho de Etelvina) e Jorge Ribeiro de Sá (filho de Rosa), prefeitos de Uauá, e José Ferreira Só (Zé de Roque), prefeito de Curaçá. E os netos de Francisco Borges de Sá: Edson Borges Rodrigues (filho de Leonilia) e Francisco Rodrigues Ribeiro (filho de Balbina), prefeitos de Uauá; Virgílio Rodrigues Ribeiro (filho de Balbina) e Jose Felix Filho (Zé Borges, filho de Maria), prefeitos em Curaçá. Três trinetos de Antônio Borges também exerceram liderança política. O bisneto de Nicolau Borges da Silva e neto de Rosa: Pedro Batista Ribeiro, prefeito de Uauá; o bisneto de Francisco, neto de Maria, José Borges Ribeiro, conhecido como Zé Papagaio, prefeito de Uauá; e José Hugo Felix Borges, filho de Zé Borges, vice-prefeito em Curaçá.
Os Borges de Uauá, onde João Borges era prefeito, estavam protegidos do bando de Lampião. De acordo com as informações cedidas pelo historiador baiano Rubens Antônio, estacionavam-se em Uauá os destacamentos militares mais bravios, liderados pelos tenentes Odonel Francisco e Manoel Campos de Menezes, os maiores inimigos do cangaço. Tais informações foram confirmadas por antigos moradores de Uauá que contam que o bando de Lampião passava pela região e contornava a cidade pela zona rural, sem chegar perto da cidade.
Mas o ódio de Corisco pelos Borges era assunto pessoal e surgiu quando Herculano era subdelegado em Santa Rosa de Lima, distrito de Jaguarari, BA. Ele não queria ser nomeado, mas a insistência foi muita e acabou aceitando. Corisco ainda era um feirante e se recusava a pagar o imposto da feira. O caso chegou ao subdelegado, que mandou policiais ao local. Mas Corisco havia bebido e desacatou os policiais. Acabou preso. Diante do subdelegado, revoltado com tudo, Corisco prometeu vingança. Ninguém deu bola para a revolta do feirante, que foi solto no dia seguinte.
Algum tempo depois, Herculano teve sua casa incendiada. Era o início da vingança de Corisco. Por causa do ocorrido, Herculano deixou o cargo de subdelegado e foi embora com a família para o município de Senhor do Bonfim, BA. Nesse meio tempo, Corisco tinha abandonado a vida de feirante para ingressar no cangaço e se tornou um membro importante do bando de Lampião. Depois de um tempo, Herculano foi emboscado e brutalmente assassinado por nove cangaceiros liderados por Corisco, na fazenda Bom Despacho, em Jaguarari. Essa tragédia aconteceu em 1931, quando Zé Borges tinha apenas 14 anos. As histórias dos assassinatos extremamente cruéis, promovidos pelo bando de Lampião, ajudavam a espalhar o terror no sertão nordestino.
Com a dedução de terem sido incluídos na lista negra dos cangaceiros, conscientes do perigo iminente, os familiares de Zé Borges decidiram omitir o sobrenome Borges ao batizarem seus filhos, numa tentativa de evitar outra tragédia. Ouvindo sobre isso, o adolescente José Felix Filho tomou a decisão de adotar o sobrenome Borges como forma de desafiar o que a família temia. Passou a responder "José Borges", quando lhe perguntavam o nome. Essa escolha mostrou sua determinação em não se deixar intimidar pelo passado sombrio e marcado pela perseguição. Com o tempo, "José Borges" tornou-se seu nome político nas campanhas eleitorais, representando sua força e coragem diante das adversidades enfrentadas por sua família.
Amizade com Jerônimo Ribeiro
Durante sua infância, Zé Borges frequentou uma escola localizada na própria fazenda em que vivia, onde foi ensinado por uma professora leiga chamada Izabel Félix. Ele estudou apenas por dois anos, o suficiente para ser alfabetizado e aprender as quatro operações matemáticas básicas. Seus pais consideravam esses conhecimentos adequados para a vida simples no campo.
Na adolescência, Zé Borges se mudou para a cidade de Uauá, onde trabalhou na loja de tecidos de seu tio Rafael Borges. Foi nesse período que ele desenvolveu uma notável habilidade para o comércio. Além disso, Zé Borges fez amizade com Jerônimo Ribeiro, que se tornou seu cunhado ao se casar com sua irmã Maria Borges. Jerônimo, poeta e escritor, se tornou um líder político influente em Uauá, governando o município por quatro mandatos: de 1948 a 1951, de 1955 a 1959, de 1962 a 1966 e de 1970 a 1972.
O audacioso vaqueiro
Antes de entrar na fase adulta, Zé Borges retornou à Fazenda Água Branca, onde se destacou como um talentoso vaqueiro. Sua bravura e habilidade em cavalgar em alta velocidade pela Caatinga eram notáveis. Lidar com o gado no sertão é um desafio, pois às vezes era necessário buscar bois perdidos em meio à vegetação densa, enfrentando perigos constantes, como troncos de árvores no caminho e os enormes espinhos da vegetação local. Zé Borges era um mestre na condução do rebanho. Nas festas de vaqueiro, eventos nos quais as habilidades eram testadas em competições, ele quase sempre conquistava o primeiro lugar. Além de sua habilidade, ele era elogiado por sua vestimenta típica, mantendo-se fiel à beleza folclórica da cultura de montaria.
Em sua juventude, Zé Borges namorou sua prima Boaventura Félix Silva, mais conhecida como Nenzinha, e em janeiro de 1941, eles se casaram. Estabeleceram-se na fazenda Esfomeado, propriedade de sua sogra Januária Félix, onde Zé Borges trabalhou como vaqueiro, cuidando do modesto rebanho nas terras áridas da caatinga.
Essa fazenda havia sido abandonada, desde 1924, por causa a guerra entre João Félix e José da Martinha. Durante o conflito, a fazenda fora cercada e a sede ficou marcada por balas de tiroteios. João Félix conseguiu escapar com sua família durante a noite, aproveitando seu conhecimento das peculiaridades da região. Enquanto a família deixava a casa, os aliados de José da Martinha, ouvindo o barulho, acabaram trocando tiros entre si, em um trágico equívoco, disparando uns contra os outros. João Félix e sua família conseguiram deixar o local em segurança, juntamente com os empregados.
Assim como desafiou o medo ao usar o sobrenome Borges, que era jurado pelos cangaceiros, José Félix também decidiu morar na fazenda onde ocorreu o ataque brutal contra sua família. Apesar do ambiente carregado de mau presságio, devido ao atentado quase fatal contra os Felix, Zé Borges, conhecido por sua coragem desde a adolescência, viu essas circunstâncias como oportunidades para seu crescimento pessoal.
Foi nessa fazenda que os primeiros filhos nasceram: Maria Nilce, que infelizmente faleceu antes de completar dois anos de idade, seguida por Maria Perpétua e José Hugo. Apesar de sua habilidade como vaqueiro e na criação de animais, os rendimentos da fazenda não eram suficientes para sustentar sua família. Diante disso, além de trabalhar na fazenda, Zé Borges decidiu negociar caprinos e ovinos. Ele comprava animais nas proximidades e os conduzia a pé para vender em Jaguarari e Senhor do Bonfim, dois importantes centros comerciais, percorrendo distâncias acima de 250 km, de ida e volta.
O ingresso na política
Em 1949, Zé Borges mudou-se com sua família para Poço de Fora, um distrito de Curaçá, na Bahia, onde nasceram mais duas filhas: Maria do Socorro e Solange Maria. Os demais filhos, nasceram em Juazeiro: Humberto, Rita de Cássia e Norma Suely. Com o tempo, Zé Borges expandiu seus negócios. Além do comércio de animais, ele começou a comprar couro de caprinos, ovinos e bovinos de pequenos agricultores, vendendo-os em Juazeiro, onde havia um importante matadouro e um próspero mercado de couro. Zé Borges também incluiu a negociação de bovinos vivos em suas atividades. Ele comprava esses animais na região e os vendia em Rio Branco, hoje conhecido como Arcoverde, em Pernambuco. Essas longas jornadas levavam até quinze dias de caminhada.
A determinação e a coragem de Zé Borges tornaram-se conhecidas na região e chamaram a atenção dos políticos locais. Ele foi convidado a participar das eleições municipais de 1950 como candidato a vereador. No entanto, Zé Borges recusou o convite, pois considerava improvável obter sucesso. O povo de Poço de Fora já havia lançado um candidato, João Francisco Félix (João Coleta), e o distrito de Barro Vermelho, que era o mais próximo de Poço de Fora, era liderado pelo fazendeiro Juvino Ribeiro, seu desafeto político. Se ele se tornasse candidato, teria poucas chances de êxito.
Em 1954, entretanto, Zé Borges decidiu se candidatar a vereador para apoiar seu primo Virgílio Ribeiro, que estava concorrendo ao cargo de prefeito de Curaçá. Na época, o então vereador e representante político de Poço de Fora, João Coleta, buscava a reeleição e apoiava o candidato a prefeito Antônio Paixão. Zé Borges foi eleito vereador e seu primo Virgílio Ribeiro tornou-se prefeito de Curaçá. João Coleta também foi reeleito, e Poço de Fora passou a ter dois representantes na Câmara Municipal.
“O doutor e o tabaréu”
Na eleição seguinte, em 1958, Zé Borges foi reeleito vereador, o que aumentou ainda mais seu prestígio e o tornou conhecido em toda a região. Durante esse período, ele expandiu seus negócios, passando a comercializar não apenas animais, mas também cereais, algodão, sisal e mamona. Apesar do crescimento pessoal que Zé Borges experimentava, ele percebeu as limitações impostas pela sua educação limitada e decidiu se mudar para Juazeiro, a fim de investir na educação de seus filhos. Essa decisão foi inspirada em seu tio Rafael Borges, que havia gastado todo o seu patrimônio para proporcionar uma educação de qualidade aos seus próprios filhos em Salvador.
Zé Borges sempre expressou sua preocupação em garantir uma boa educação para seus filhos. Durante as refeições em família, ele repetia incessantemente que não queria deixar nenhum gado ou cabra para eles, mas sim proporcionar-lhes uma formação universitária para que pudessem conquistar seus sonhos.
Em 1962, para surpresa de todos, Zé Borges decidiu lançar-se como pré-candidato a prefeito de Curaçá, ideia que muitos consideravam "loucura". A elite de Curaçá, com visível preconceito, o rotulava de "tabaréu", menosprezando sua origem como vaqueiro, subestimando sua preparação e apontando sua baixa condição financeira. Além disso, seus correligionários também o consideravam inadequado por ser do interior do município, com pouco conhecimento da população ribeirinha que vivia às margens do Rio São Francisco.
Enfrentando oposição de todos os lados, Zé Borges teve sua primeira decepção na política. No dia da convenção municipal, seu partido, o PR (Partido Republicano), negou-lhe a legenda para concorrer ao cargo de prefeito. Nenhum dos outros partidos existentes concordou em apoiá-lo.
Entretanto, de acordo com a legislação eleitoral da época, Zé Borges reuniu seus amigos e criou o diretório regional de um partido que ainda não existia no município. Assim, com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) em suas mãos, ele embarcou em sua desafiadora candidatura, adotando o slogan jocoso: "O doutor e o tabaréu de chapéu de couro", em referência ao seu principal adversário, o favorito da elite local, o médico Jaime da Silveira Coelho, conhecido como Doutor Jaime, membro de uma família tradicional de Curaçá e diretor do Hospital Regional de Juazeiro.
Sensibilizado com os ataques preconceituosos desferidos contra Zé Borges durante a campanha, um dos candidatos a prefeito, Durval Santos Torres, conhecido como Durval Gato, decidiu desistir de sua candidatura para concorrer a vereador e apoiar o vaqueiro como candidato a prefeito. Durante uma conversa com Zé Borges, Durval fez um pedido: que os vereadores eleitos por Zé Borges o apoiassem para ser o presidente da Câmara, que tinha um papel semelhante ao de vice-prefeito atualmente, sendo o primeiro na linha de sucessão em caso de substituição. A resposta de Zé Borges surpreendeu Durval Gato: "Não posso prometer os votos dos meus vereadores, mas posso prometer que pedirei a eles que votem em seu nome para presidente da Câmara." A sutileza presente na resposta sustentava a legitimidade do compromisso e fez com que Durval admirasse ainda mais o vaqueiro "despreparado" que a elite atacava sem conhecê-lo.
O apoio de Durval Gato foi essencial para desbancar o principal adversário, que era apoiado pelos poderosos da época. Zé Borges foi eleito prefeito de Curaçá e ganhou grande reconhecimento na região pela vitória extraordinária e inimaginável diante das famílias tradicionais que dominavam a região até então. A Comissão do Vale do São Francisco chegou a enviar um radiograma ao deputado federal Manoel Novaes, pedindo confirmação do resultado eleitoral, pois considerava aquele resultado impossível.
Segundo Omar Torres, poeta e estudioso da história de Curaçá, mais conhecido por Babá, filho de Durval Gato e visto como uma enciclopédia viva, “o extraordinário da vitória de Zé Borges é o fato dele ter começado como um menosprezado candidato, não muito conhecido, de origem humilde, numa disputa contra “o melhor candidato possível”. Nas palavras de Omar, a alta qualidade do adversário atesta o quanto Zé Borges era extraordinário. Nas palavras de Babá: “Além de filho de Raul Coelho, o mais importante e poderoso líder político do município na sua época, Doutor Jaime já tinha sido prefeito duas vezes, era bom médico, um homem generoso, de reconhecido caráter, influente na região, popular, alegre e, ainda por cima, grande boêmio. Esse conjunto de qualidades do Doutor Jaime justifica o leque de apoio que recebeu da tradicional classe política e ressalta o quanto Zé Borges teve de se esforçar para mostrar qualidades pessoais capazes de convencer ao alienado eleitor da época de que um vaqueiro tinha condição de vencer e ser melhor prefeito que o Doutor médico e tão qualificado adversário”.
No início de sua administração, Zé Borges enfrentou muitas dificuldades, que se agravaram com a ditadura militar no país. Ele tinha uma vocação política com sensibilidade social, portanto, uma tendências a valorizar os mais pobres e enfrentar a ambição egoísta dos mais ricos e poderosos, pois, vindo de origem humilde e católica praticante, tinha aguçada empatia e exercitava a piedade em relação ao sofrimento e à falta de oportunidades dos mais pobres. Apesar dos obstáculos, ele procurou governar em prol dos mais necessitados, dando destaque à educação e principalmente à saúde. Ele obteve sucesso ao investir em parcerias com a rede pública de saúde de Juazeiro, um município maior e próximo a Curaçá.
Com sua vocação para articular apoios, Zé Borges foi um dos poucos prefeitos no estado da Bahia a ser recebido em audiência pelo então presidente Castelo Branco. Durante o encontro, aproveitou sua habilidade política e real compromisso público para reivindicar melhorias significativas em benefício da população de seu município. Uma de suas filhas constatou há alguns anos que, até então, algumas famílias que testemunharam a sensibilidade política de Zé Borges acendiam velas para a fotografia amarelada que restava dos antigos cartazes eleitorais, colados nas paredes de suas casas.
Candidato único
Em 1966, Zé Borges apoiou o médico Pompílio Coelho, primo de seu adversário na eleição anterior, Jaime Coelho, e o levou à vitória, derrotando Euvaldo Aquino. Com uma vida política ativa, Zé Borges abandonou o comércio, que exigia muito tempo, e dedicou-se exclusivamente à pecuária, com a criação de bovinos, caprinos e ovinos no distrito de Poço de Fora, onde até hoje possui muitos parentes. Praticamente toda a população do distrito é de sua família, com filhos, netos e bisnetos de primos em diversos graus de parentesco. O sobrenome Félix é bastante comum no distrito.
Em 1970, Zé Borges foi convidado por correligionários e aliados políticos a se candidatar mais uma vez ao cargo de prefeito de Curaçá, dessa vez com o apoio até mesmo de Euvaldo Aquino. A Convenção daquele ano foi bastante tumultuada, pois havia apenas dois partidos políticos, uma condição imposta pela ditadura militar. Para ser candidato, só havia duas alternativas: Arena ou MDB. Mas, no município, apenas a Arena tinha um diretório regularizado.
Dois candidatos disputaram a legenda, mas o adversário de Zé Borges não teve chance, e ele foi proclamado como o candidato único do município. Houve um pequeno movimento em favor do voto em branco, mas que não teve efeito significativo, esvaziando-se por falta de apoio popular. Mais uma vez, Zé Borges foi eleito prefeito de Curaçá.
Desta vez, teve seu poder político ampliado com o apoio do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que assumira o cargo em 1971 e destinou verbas importantes para obras de infraestrutura, que eram a prioridade naquele momento.
O importante é a bondade
O segundo mandato de Zé Borges foi breve. Durou menos de dois anos, pois ele faleceu em 22 de novembro de 1971, em pleno exercício do cargo de prefeito. Ele morreu em um hospital de Salvador e seu corpo foi trasladado para Poço de Fora, onde foi sepultado em uma pequena capela na Fazenda Água Branca, ao lado do corpo de sua mãe, Maria Borges Silva, atendendo ao seu desejo expressado à esposa em seu leito de morte. "O importante da nossa vida é que deixemos em alguma parte o fruto de nossa bondade", registra o epitáfio de seu túmulo.
Sua esposa, Nenzinha, cuidou dos filhos e fez questão, com muito esforço, fé e amor, de fornecer a eles o apoio necessário para concluir um curso universitário, que era o sonho mais expressado por Zé Borges em relação ao futuro de sua família. Politicamente, ele foi muito atacado por não ter uma formação universitária e desejava que seus filhos não enfrentassem o mesmo desprezo.
Seu nome é mencionado até hoje pelos moradores mais antigos de Curaçá, especialmente os de Poço de Fora, onde ele é lembrado com carinho por muitos. Ele deixou um legado. Com virtudes interligadas e que dependem da fé, sua notável coragem combinada com a generosidade, tornou Zé Borges um líder admirado. Era incisivo com os poderosos, mas muito gentil e atencioso com os menos favorecidos. Tinha uma autoridade firme e valorizava sua palavra. Se ele prometesse algo, fazia questão de cumprir.
Vocação de família
Dos descendentes de Antônio Borges, nove foram prefeitos. Sete, em Uauá, e dois, em Curaçá. No caso de Uauá ainda houve uma participação especial, além dos descendentes que foram prefeitos. O pai do prefeito Zé Papagaio, Jerônimo Ribeiro, era casado com Maria Borges (irmã de José Felix Filho - Zé Borges) e foi prefeito por quatro mandatos. Apesar dele mesmo não ser descendente dos Borges, sua esposa Maria era o mais importante apoio à sua sólida liderança. A atenção amorosa que ela demonstrava aos mais humildes era muito parecida com a do seu irmão Zé Borges, um líder popular nato. O povo se sentia amado por eles.
Em Curaçá, foram prefeitos dois descendentes: Virgílio Ribeiro, filho de Balbina, e José Felix Filho (Zé Borges), filho de Maria Borges, ambos netos de Francisco. Quem conheceu Zé Borges, pessoalmente, fala de ter conhecido um homem extraordinário. Ele tinha uma autoridade inata e conquistava a confiança das pessoas no primeiro contato.
Segundo Omar Torres, o filho de Durval Santos Torres (Durval Gato), “Zé Borges não era sorridente, mas era muito carismático”. Omar ressaltou: “a grandeza de caráter e sua ética sempre marcaram a vida dele”. O filho de Durval considera importante registrar a história de Zé Borges para inspirar novas gerações. Diz ainda que Durval, seu pai, teve um bom plantel de gado Gir (raça bovina originária do norte da Índia, que se adapta bem ao clima do Nordeste), “todo ele adquirido de Zé Borges”. E faz questão de atestar: “Meu pai foi muito feliz na compra, pois o gado era de altíssima qualidade”.
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Fontes:
1) A maior parte das informações foram extraídas do livro Raízes, de Railda Vieira da Silva.
2) Algumas das informações foram gentilmente cedidas por Riga Ribeiro, do acervo @ribeirouaua, o que também possibilitou traçar a árvore genealógica de Zé Borges.
3) Os relatos testemunhais do poeta Oma Torres (Babá) foram fundamentais para ilustrar a personalidade do vaqueiro e prefeito.
4) Informações do historiador Rubens Antônio, sobre o cangaço na Bahia.
5) Informações do livro Lampião na Bahia e o Cangaço na Bahia, reproduzido por Rubens Antonio, mestre em Geologia, Artes Plásticas e História, autor do blog https://cangaconabahia.blogspot.com/.
Foto antiga, colorizada eletronicamente. Zé Borges está ao centro, de paletó escuro
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